terça-feira, 18 de novembro de 2014

A arte de largar :: The letting go art

*

As palavras faltam, a voz embarga-se, o vocabulário não é suficiente, a dor insuportável, a pena indescritível...

É assim a perda de um filho... não há muito mais a acrescentar... 

Torna-se desagradável qualquer comentário vindo de quem não imagina exactamente o que se sente. Escolhe-se o isolamento em busca do equilíbrio perdido, aprende-se a "andar" novamente, só que sob areias movediças...
Repensa-se a forma de vida, uns dias perdemos-nos, outros reencontramos-nos, uns dias achamos que queremos ir para a direita outros temos a certeza que vamos para a esquerda, uns dias queremos salvar o mundo, outros queremos apenas ficar no nosso canto...

Depois aprende-se a viver com esta marca - não se pode viver zangado com o mundo só porque a vida dos outros continua no dia seguinte enquanto a nossa ficou virada do avesso... 

Eles partem antes de nós, e isso por si só é desespero suficiente para levar parte de nós com eles.

Mas se eles levam parte de nós com eles, também é verdade que deixam parte deles connosco, e isso não é mau, isso é aliás muito bom. 

Saber que o meu filho fez de mim uma pessoa melhor, é bom; 
saber que o meu filho fez de mim uma mãe muito melhor do que poderia alguma vez ter sido, é bom; 
saber que o meu filho me obrigou a renascer, é bom;
saber que o meu filho me libertou de medos, dúvidas e dramas irrelevantes, é bom;
saber que o meu filho me mostrou o verdadeiro sentido da vida, é bom;
saber que o meu filho me obrigou a sair da minha zona de conforto, é bom; 
saber que o meu filho me ensinou a não ter pena de mim mesma, é bom;
saber que o meu filho me ensinou que as coisas não acontecem só na porta do vizinho, é bom;
saber que o meu filho me ensinou a priorizar o que me traz real felicidade, é bom
saber que o meu filho me ajudou a descobrir uma capacidade de resilência enorme em mim, é bom
saber que o meu filho fez de mim uma pessoa muito mais feliz, é muitíssimo bom;
...

Deveria no entanto ter sido eu a partir primeiro, era a minha vida que o Criador deveria ter aceite em troca da dele, era eu que lhe devia ter ensinado todas estas coisas...

Mas se existe esta ordem desalinhada tenho que acreditar que foi por algum motivo superior, tenho que crer que algum dia fará sentido, cabe-me a mim garantir que a sua curta vida valeu a pena ser vivida.
Não será ele a ter necessidade que a mãe se sinta orgulhosa dele, mas será a mãe a fazer de tudo para que ele se sinta orgulhoso dela. 

A arte de largar, ou de aceitar traz apaziguamento, serenidade, liberdade e nova vontade de viver e sorrir, sem culpa.

Foi esta ordem de pensamentos que me orientou desde a nossa despedida e manteve a minha sanidade intacta.

Mas hoje, só hoje, vou pedir permissão para me sentir um ser miserável e para remexer no livro das memórias em busca do teu cheirinho e do teu calor, das batidas do teu coração e do som da tua respiração cansada e sonora, hoje preciso de sentir pena de mim mesma... Porque se este dia não existisse no calendário não teria porque me continuar a soar injusto não te poder oferecer o meu colo, o meu amor e o meu carinho... 

Amanhã vou voltar a vestir o meu fato de rocha e pedra, amanhã vou sorrir de novo para que a estrela mais brilhante do céu possa brilhar com todo o seu esplendor, amanhã logo de manhã, pode ser? 

**********************************

The words fail, the voice choked, the vocabulary is not enough, the pain unbearable, the sorrow unspeakable...

The loss of a child is like that... there isn't much more to add...

Any comments from those who do not have a clue of what exactly it feels like, become unpleasant.
We start by choosing isolation hopping that some of the lost balance will be restored, we've got to learn how to "walk" again, only that on shifting sands...
We rethink our way of life up, some days we lose ourselves, others we find ourselves, some days we want to go right, the other we are sure we go left, some days we want to save the world, others we just want to be left alone in our corner...

Eventually we learn how to live with this label - we cannot keep living our life feeling angry with the entire world just because other people's lives continue the next day as ours was thrown upside down...

They leave before us, and that alone is enough reason to say that part of us was taken away with them.

But if they take part of us with them, it is also true that some part of them stay with us, and that's not bad, that is actually very good.

To know that my son has made me a better person, is good;
to know that my son has made me a much better mother than I could ever have been, is good;
to know that my son forced me to be reborn, is good;
to know that my son set me free from fears, doubts and irrelevant dramas, is good;
to know that my son showed me the true meaning of life is good;
to know that my son forced me to live outside my comfort zone is good;
to know that my son taught me not to feel pity of myself, is good;
to know that my son taught me that things don't just happen in the next door, is good;
to know that my son taught me to prioritize what brings me real happiness, is good;
to know that my son helped me to discover a huge resilience capability, is good
to know that my son made myself be a happier person, is exceedingly good;

However it should have been my life taken away first, the Creator should have accepted it in exchange of his, it should have be my son learning from me all these things, not the other way around...

But if the order was to be unaligned like this, I have to believe that it was for a greater cause, I have to believe that someday I will make some sense out of it, it is my personal duty to ensure that his short life was worth living.

He will not need to make mum's proud of him, but will the mum do anything to make him feel proud of her everyday.

The letting go art (or acceptance) brings appeasement, serenity, freedom and a new will to live and laugh without guilt.

These thoughts guided me since our goodbyes and kept my sanity intact.

But today, just today, I will ask permission to feel miserable and to reopen the memory book in search of your smell, your warmth, your heart beats and the sound of your tired breath. 
Today I need to feel sorry for myself because if this day didn't exist in the calendar, it wouldn't have to continue to sound unfair to me that I can't offer you my arms, my love and my affection...

Tomorrow I'll be wearing back my rock and stone suit, tomorrow I will smile again so that the brightest star in the sky can shine with all its splendor. Tomorrow, early in the morning, is that ok?



*Créditos imagem / Image credits | Be Baubles Jewelry

Pode seguir Sofias's Whispers através:
You can follow Sofia's Whispers on: 

8 comentários:

  1. Não é possível medir a dor, só quem a sente sabe o quanto custa… infelizmente também já passei e vivi momentos muito difíceis que talvez só tu (e quem passou por semelhante) saiba compreender, porque também os viveste. Quando dizes “Torna-se desagradável qualquer comentário vindo de quem não imagina exactamente o que se sente” foi exactamente o que se passou comigo. As tuas palavras dizem-me tanto…
    Não sei se soubeste do que se passou comigo, se não soubeste um dia conto-te… hoje é dia de te mandar apenas um “abracinho muito grande”, apesar não sermos íntimas, próximas ou o que quer que seja, “à distância” conhecemo-nos desde pequeninas e tenho muita admiração por ti… Sigo-te religiosamente e és uma inspiração para mim, apesar de não comentar sempre…
    Como não te posso confortar como gostaria, mando-te um abracinho e um beijinho e muito grande minha querida…

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Querida Ana,
      De facto não soube de nada, mas pela empatia que senti quando li o teu comentário, tenho a certeza de que somos "irmãs" de emoções...
      Há pessoas que surgem nas nossas vidas e que parece que conhecemos desde sempre, tu és uma dessas pessoas para mim.
      Obrigada pelas tuas palavras de conforto (chegaram cá, não há nada melhor no mundo do que sentirmos-nos Compreendidas com "C" maiúsculo) e pela tua companhia desse lado.
      xxx
      <3 <3 <3

      Eliminar
  2. Fiquei sem palavras e com um aperto no coração depois de ler o teu texto.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esse é o meu estado constante sempre que me permito concentrar um bocadinho mais no assunto amiguinha...
      Bjnho enorme para ti e para a tua linda família.

      Eliminar
  3. Sofia, fiquei sem palavras e emocionada com este post. Não fazia ideia que tivesses perdido um filho… não imagino o que isso custe, nunca passei por isso. Um beijinho grande e muitos parabéns pela tua coragem para falares deste assunto.
    margarida

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nem eu queria acreditar Margarida, mas é verdade... :((
      É uma ferida com crosta, mas que nunca sara.
      Uma amputação na alma.
      No entanto só posso dizer que sou uma pessoa muito feliz - contraditório, mas verdade -
      quando se conhece a "sede" valoriza-se a água ;)
      xxx Sofia

      Eliminar

Thank you so much for your visit, and for taking the time to leave me a comment.
It is always a pleasure to hear from my readers, and it really makes my day!
Sofia
xxx


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...